CLAUDEMIR GOMES
Em 2021 lamentava a tristeza de um carnaval durante a travessia pandêmica. Não imaginava que, em tal cenário pudesse ser aplicada a Lei de Murphy: "Se alguma coisa pode dar errado, dará. Da pior forma possível". Ledo engano. Acordo neste Sábado de Zé Pereira, sem ouvir nenhum acorde de frevo. A pandemia segue nos impondo uma desconfortável reclusão. Como se não bastasse, a brutal e inaceitável guerra da Ucrânia dar um acabamento de sangue num cenário inimaginável nos dias de hoje. Coisa da Besta Fera!
Uma Besta Fera que tem nome e domicílio. Tem sede de sangue, e sua maldade é maior que as gélidas estepes russas.
Evoco Beth Carvalho: "Tristeza por favor vai embora...".
Como um presente dos céus recebo a visita do meu neto, Guilherme da Fonte Medeiros, que após um afetuoso abraço, me faz a pergunta mais doce e maravilhosa do dia:
"Vovô como se rouba um beijo?"
Antes de responder lhe roubei um abraço. E disparei: "É mais ou menos assim".
Rimos juntos. Pronto! A tristeza foi embora. Afinal, estamos vivenciando o carnaval. E não existe festa mais apropriada para se roubar um beijo do que o carnaval.
Não estou falando daquelas "agressões grotescas", que as galeras fazem nas ladeiras de Olinda. O beijo roubado tem que ter ternura. Na verdade, acho até que, na maioria das vezes o "ladrão" sai no prejuízo, pois ele rouba um beijo e tem o coração subtraído.
Comecei a fazer uma lista de amigos carnavalescos, grandes ladrões de beijos com estórias mil de amores de carnavais: Arthur Carvalho, Sílvio Ferreira, Gustavo Krause, Romualdo Veras, Ricardo Brito Maranhão, Pedro Luís... A lista é imensa. Com certeza, cada um, citaria um exemplo de beijo roubado para Guilherme, que, aos 11 anos, nos mostra o interesse da turma que se debruça nas histórias de Koyoharu Gotouge - Caçador de Demônio - e passa horas se divertindo com as aventuras do ninja Naruto.
A arte do beijo roubado é milenar. Ponto de partida para grandes conquistas. Não conquistas selvagens, covardes e sangrentas como esta que testemunhamos na Ucrânia.
O beijo roubado pode protagonizar grandes histórias de amor. Mas também pode traduzir apenas a intensidade do momento, coisa rápida, como as tuitadas da meninada nas redes sociais.
Neste sábado de carnaval não teremos o desfile do Homem da Meia Noite, o calunga mais famoso de Olinda. No sobe e desce das ladeiras ele não beija ninguém, mas é impossível mensurar a quantidade de beijos roubados por onde passa.
CLAUDEMIR GOMES
Os últimos dias de fevereiro trouxeram o início das disputas da Copa do Brasil 2022, maior torneio de futebol profissional do País, e o que oferta a melhor premiação. Também carrega a marca registrada de ser o mais democrático, pois tem representantes de todos os estados brasileiros. Resumindo: trata-se de um guarda-chuva aberto do Oiapoque ao Chuí abrigando todas as tribos.
Apesar da "abertura democrática", sabemos que, a atual forma de disputa privilegia os grandes times nacionais, fato que torna a disputa do título restrita a um grupo de elite cuja realidade financeira e técnica difere da maioria dos participantes desta farra do futebol tupiniquim.
Nesta edição, o futebol pernambucano será representado pelo Sport, Náutico e Salgueiro. Hoje a noite (23/02/2022) teremos as estreias do Náutico, que joga na condição de visitante com o Tocantinópolis, e do Salgueiro, que recebe o Santos no Cornélio de Barros. O Sport tem seu primeiro jogo programado para o dia 2 de março, com o Altos, no Piauí.
O futebol pernambucano não vive um bom momento. Isto é fato. Tal realidade dificulta, ainda mais, qualquer prognostico sobre as campanhas dos nossos representantes na Copa do Brasil. Os rubro-negros podem apresentar o histórico do Sport na competição como um crédito. Afinal, o Leão da Ilha do Retiro foi vice-campeão da primeira edição, em 1989, e campeão em 2008. No mesmo histórico existem algumas eliminações logo na primeira fase da disputa, o que deixa claro que, futebol é momento.
Na teoria, o Salgueiro é o time pernambucano que tem o maior desafio na primeira rodada, uma vez que enfrentará o Santos. O fato de a partida está programada para o Estádio Cornélio de Barros, em pleno Sertão Pernambucano, pode determinar um equilíbrio na disputa, contudo, tecnicamente a qualidade do time paulista é indiscutivelmente superior.
A estreia na Copa do Brasil marca o início de um novo tempo para o Náutico. O tempo do técnico Felipe Conceição, contratado para substituir Hélio dos Anjos. Diferentemente da temporada 2021, quando nos primeiros meses concentrou todas as atenções numa única disputa, o Pernambucano, este ano, o Clube dos Aflitos se divide em três competições simultaneamente: Copa do Nordeste, Campeonato Pernambucano e Copa do Brasil. O resultado da avalanche de jogos intercalados por viagens é uma desconfortável oscilação no nível das apresentações.
Embora não possa ser considerado uma Torre da Babel, é notório que no Sport existe uma dificuldade de entendimento entre o técnico Gustavo Florentín e os seus comandados. Falando um idioma diferente dos atletas, Florentín ainda não conseguiu fazer com que a tropa acertasse o passo para entrar no compasso das competições que ora disputa.
Bom! Não sabemos até onde os nossos representantes irão avançar na competição nacional, mas de uma coisa temos certeza: no atual cenário jamais chegaremos a uma disputa de título.
CLAUDEMIR GOMES
Os garotos da minha geração gostavam de gibis. Através deles adquiriam, e alimentavam o gosto pela leitura. Quando alcançavam a adolescência migravam para os livros de bolso. A ficção e seus personagens nos transportavam para um mundo de sonhos, onde as asas da liberdade nos transformavam em seres alados com passaporte para explorar o imaginário.
Alguns personagens parecem superiores ao tempo, como o casal, Mickey e Minnie, criado por Walt Disney há 92 anos, e que segue encantando as novas gerações. E o que dizer do francês, Astérix, criado pela dupla, René Goscinni e Albert Uderzo, em 1959? Astérix se mantém como um dos queridinhos dos europeus. Com mais de seis décadas, foi criada em 1959 pela norte-americana Ruth Handler, a Barbie lidera a lista das bonecas mais vendidas no mundo.
Naturalmente que, nem todos os personagens se tornam eternos. Alguns têm passagens meteóricas. Segundo os mestres de Hollywood, todo mundo tem uma história pra contar, e a maioria delas tem um vilão. Na disputa do bem com o mal todo vilão é tido como mau caráter.
Esta semana tomei conhecimento do triste epílogo da história do Léo, o mascote do Sport Club do Recife, adotado oficialmente pelo clube rubro-negro quando do seu centenário, e cuja vida foi vendida pela promessa de trinta dinheiros. Neste caso do Léo, o vilão não é mau caráter, ele simplesmente não tem caráter, pois não assume o "crime" cometido contra a história do clube.
O saudoso deputado, Osvaldo Rabelo, grande referência da história política de Pernambuco, classificava o homem da seguinte forma: "O bom caráter; o mau caráter e o sem caráter". O homem sem caráter é a escória.
Conheço a história do Léo do nascedouro. No final dos anos 70, no século passado, o jornalista, Júlio José, chegou à redação do Diário de Pernambuco levando a tiracolo o jovem chargista, Humberto Araújo. Os desenhos e os traços do rapaz encantaram o editor de esportes, Adonias de Moura, que logo o convocou para fazer parte do seu time.
Humberto Araújo não precisou de muito tempo para se afirmar como um dos melhores cartunistas do país. Autor de vários títulos, ganhador de vários prêmios, chegou a ser escalado para cobrir a Copa de 1986, no México.
Em 2004, quando Severino Otávio (Branquinho), ocupava a presidência executiva do Sport Club do Recife, e o então governador do Estado, Jarbas Vasconcelos, era o presidente do Conselho Deliberativo, Humberto Araújo fez a doação oficial do desenho do Léo ao clube da Ilha do Retiro. Um momento histórico que foi tratado como um dos mais importantes dentre os festejos do Centenário do Sport Club do Recife.
Quem conhece Humberto Araújo sabe que aquela não era apenas a doação de um desenho. Nada protocolar. Junto com aquela ação ele estava doando sua alma e seu coração ao Sport, na mais pura demonstração de amor incondicional.
Quem transitou pela Ilha do Retiro nos últimos 18 anos teve a oportunidade de testemunhar o pacato cidadão, Humberto Araújo, pintando muro, restaurando equipamentos, criando painéis... numa entrega elogiável, sem custar um centavo ao clube. Pelo Sport tudo! Eis o seu lema.
Quando Milton Bivar voltou a presidência executiva do Sport, uma proposta foi colocada em sua mesa, para deletar o Léo em detrimento de um outro boneco, que seria alimentado por um projeto de marketing e comercial.
Bivar recusou a proposta, mas logo em seguida se afastou do clube.
E a história do Léo ganhou o seu vilão.
Humberto Araújo foi informado que os restos mortais do Léo estavam num depósito no CT do clube. A atual coordenadora do marketing do Sport teve a sensibilidade e mandar buscar aquela "fantasia", que num passado não muito distante, foi aplaudida e cobiçada por todos os leoninos.
O Léo agora descansa na casa do seu criador.
Ah! O Vilão?
Com certeza é desses que não tem caráter.
CLAUDEMIR GOMES
Domingo (13/02/2022), durante a edição do programa THE VOICE , a cantora, Fafá de Belém, 65 anos, que este ano foi escalada para compor o júri, em três oportunidades ressaltou a necessidade de os idosos darem um grito contra a invisibilidade imposta pela sociedade, da qual são vítimas dos efeitos devastadores de uma exclusão galopante considerada natural.
No ano 2000, quando acumulava os cargos de treinador da Seleção Brasileira, e do Sport Club do Recife, Emerson Leão me revelou todo um trabalho psicológico que vinha desenvolvendo para quando não estivesse mais sob os holofotes. Afinal, ele havia passado décadas de intensa visibilidade no futebol brasileiro e internacional e, de repente, se tornaria invisível.
Ontem, o professor, Sílvio Ferreira, compartilhou um vídeo no facebook, que mostra o atual momento do zagueiro, Brito, tricampeão mundial em 70, no México. Aquele senhor caminhando, com relativa dificuldade, pelas ruas de um bairro periférico do Rio de Janeiro, perdeu sua visibilidade de herói de uma conquista épica para o futebol brasileiro. É como se estivesse sido dragado pela poeira do tempo.
Dois anos após Edson Nogueira ter deixado a presidência do Santa Cruz, no encontramos numa solenidade. Na oportunidade, um cidadão que, durante todo o tempo em que esteve no cargo vivia lhe puxando o saco, passou a uma distância de menos de um metro e sequer olhou de lado. Minutos depois, quando Nogueira estava sendo abraçado pelos homenageados, ele se aproximou e disse que não o tinha visto.
"É que eu estava invisíve", lhe respondeu Edinho com uma dose de ironia cavalar.
O ex-presidente da FPF, Carlos Alberto Oliveira, tinha tanto pavor de vir sofrer os efeitos da invisibilidade que criou sua própria plateia. Todos os dias um grupo de puxa-saco marcava presença na sede da entidade, na rua Dom Bosco, para aplaudir e sorrir com as histórias do burgomestre do futebol pernambucano.
A pandemia da invisibilidade é bem maior que a do COVID. Ela ataca há décadas, mas as pessoas não se deram conta das causas. Apenas sofrem os efeitos.
O que provocou este estado de coisas? Tudo!
Naturalmente que devemos estar abertos para as mudanças de comportamento. Mas, e os efeitos?
Em nome da segurança contra a desenfreada violência urbana, os muros dos edifícios se tornaram cada vez mais altos. Fortalezas de luxo. As ruas foram ficando desertas. O comércio passou a ser concentrado em shoppings. E os antigos logradouros comerciais foram abandonados. As ruas expulsam os homens.
A fila anda!
Diz o dito popular. Verdade. Mas as pessoas insistem em ignorar que existe um tempo para tudo e para todos. Não são poucos os exemplos de cidadãos que cometem o suicídio por temer a invisibilidade que vem acoplada a velhice.
Um ex-governador de Pernambuco me disse um dia desses que, eram poucos os amigos que se lembravam dele. Políticos, cantores, jogadores, jornalistas, comunicadores famosos, celebridades, todos, sem exceção, vivenciarão episódios de invisibilidade.
No início da noite, após contemplar o silêncio da rua deserta, retorno minha atenção para o facebook. O mestre, Leonardo Antônio Dantas Silva, que carrega consigo uma bagagem de conhecimentos fantástica, havia postado o poema - Se eu morresse amanhã de manhã - do grande Antônio Maria.
E Leonardo dá seu grito de alerta: "UM RECADO DE ANTÕNIO MARIA DE ARAÚJO, PARA TOOS NÓS ESQUECIDOS".
Os mestres também sofrem os efeitos da invisibilidade.
SE EU MORRESSE AMANHÃ DE MANHÃ
Antônio Maria
De que serve viver tantos anos sem amor
Se viver é juntar desenganos de amor
Se eu morresse amanhã de manhã
Não faria falta a ninguém
Eu seria um enterro qualquer
Sem saudade, sem luto também
Ninguém telefona, ninguém
Eu grito e um eco responde:
"ninguém!"
Se eu morresse amanhã de manhã
Minha falta ninguém sentiria
Do que eu fui, do que eu fiz
Ninguém se lembraria.
Na nova ordem nos tornamos invisíveis antes da morte.
CLAUDEMIR GOMES
O mestre, Lenivaldo Aragão, postou um artigo sobre a história do Santa Cruz, o Clube do Povo, que neste 3 de fevereiro de 2022, comemora 108 anos de fundação. Compartilhei antes de ler toda a matéria. Leni, que não gosta muito de elogios, fica um pouco sem jeito por conta de sua excessiva timidez, é o maior historiador do futebol pernambucano. Ele é. Outros nomes que merecem nosso reconhecimento, respeito e admiração já se foram.
Dos 108 anos da história do Tricolor do Arruda vivenciamos cinquenta na condição de jornalista. Ser testemunha da história não tem preço. Principalmente quanto isto acontece de forma efetiva, o que nos dar a sensação de ser um dos personagens, tal a aproximação que tivemos com os protagonistas: jogadores, dirigentes, técnicos, torcedores, e uma leva de profissionais que estiveram envolvidos em conquistas e episódios inesquecíveis.
"Eu sou Santa Cruz de corpo e alma!"
Foi assim que cantou Capiba. Na verdade, ele bradou para o mundo que, o santa-cruzense não pode ser pela metade. É a característica, a marca registrada, do torcedor do Clube do Povo.
Certa vez, escalado pelo mestre, Adonias de Moura, um dos maiores amantes do Santa Cruz que conheci, fui entrevistar Aristófanes de Andrade, reconhecidamente uma das figuras mais ilustres da história do Clube do Arruda. Estávamos caminhando defronte a sede do clube, na Avenida Beberibe, quando, de um ônibus superlotado, um torcedor põe quase meio corpo para fora da janela e grita: "Seu Aristófanes! Este estádio é nosso. É nossa casa".
O elegante Aristófanes parou por um instante, segurou meu braço, e com os olhos marejados, revelando a emoção que sentia no momento, comentou: "Isto é o Santa Cruz. O que aquele rapaz gritou ali traduz toda a nossa conversa. O Arruda é o sonho da casa própria. A vitória do nosso time é um bálsamo para o sofrimento de toda a população dos morros do Recife".
Tive o privilégio de participar da construção da obra literária - Santa Cruz de Corpo e Alma - desde o seu início. Foram 20 anos de um trabalho capitaneado pelo inesquecível, João Caixero de Vasconcelos Neto, e que foi concluído por uma equipe de primeira linha: Lenivaldo Aragão, José Neves Cabral, Humberto Araújo, Deusdedith Antônio e este humilde contador de histórias.
Uma experiência sem precedentes para todos nós. Mais ainda, uma soma de conhecimentos que nos tornou maiores como seres humanos e cidadãos. A entrega e a resiliência de Caixero nos mostraram que a vida e a sobrevivência do Santa Cruz são traduzidas através da alma dos seus amantes.
Homens ilustres, homens simples, heróis de arquibancadas, figuras populares, personalidades de camarotes, profissionais que não conseguem ficar escondidos por trás dos microfones... Todos são nivelados, igualados, se juntam e se misturam num grito que ecoa por toda a cidade; Tri, tri, tri, tricolor.
Como lembrou o mestre Lenivaldo no seu artigo: "Ao fundar o Tricolor, a meninada da Boa Vista só queria se divertir".
E a brincadeira ficou séria.
Afinal, o Santa Cruz não é paixão. É amor clubístico.